Cidades-esponjas podem ser a solução para combater enchentes?

Com os recentes fenômenos climáticos que devastaram cidades inteiras, o conceito de cidades-esponjas emerge como uma estratégia promissora para ajudar os centros urbanos a enfrentarem esses desafios. Entretanto, será que essa estratégia pode realmente ajudar a mitigar os problemas ocasionados por esses eventos climáticos extremos? Neste artigo, vamos explorar os princípios por trás das cidades-esponjas e como eles podem ser aplicados na prática.

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Luane Cavalcante
Cidades-esponjas

As enchentes devastadoras que atingiram o Rio Grande do Sul recentemente trouxeram à tona a urgência de repensar nossas estratégias urbanas para lidar com as mudanças climáticas. Esses eventos extremos não são isolados, e de acordo com especialistas, a previsão é de que se tornem cada vez mais frequentes. 

Segundo o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o aumento das chuvas intensas é uma das principais consequências das alterações no clima global, o que coloca as cidades em risco crescente de inundações. Além disso, a urbanização desordenada e a falta de infraestrutura adequada agravam ainda mais essa situação.

Mas o que as cidades podem fazer para prevenir ou evitar essas tragédias?

Para Kongjian Yu, arquiteto e urbanista criador do conceito de cidades-esponjas, a solução está em parar de “lutar contra a água” e investir em soluções eficazes e inspiradas na natureza.

O que é uma cidade-esponja?

Uma cidade-esponja é um modelo urbano projetado para absorver e reutilizar a água da chuva por meio de sistemas de drenagem sustentáveis. Essa abordagem ajuda a amenizar os impactos das precipitações intensas, reduzindo o risco de inundações e enchentes. Além disso, transforma áreas vulneráveis em zonas resilientes, favorecendo uma interação equilibrada da cidade com os ciclos naturais da água.

Inspirado na natureza, o conceito sugere repensar a forma como as cidades lidam com as águas da chuva. Muitas vezes, essas águas são direcionadas para rios, lagos e oceanos, sobrecarregando os sistemas de drenagem e causando poluição nos corpos d’água. Por isso, abordagem visa replicar os processos naturais de absorção e filtragem que ocorrem em ecossistemas saudáveis, como florestas e pântanos.

Embora seja um conceito recente, as cidades-esponjas resgatam uma tradição antiga da China, baseada na sabedoria da agricultura e na gestão da água de forma sustentável, propondo a utilização de tecnologias de infraestrutura verde como parques lineares, wetlands, pisos e pavimentos drenantes, jardins de chuva, poços de infiltração e retenção, corredores ecológicos, entre outras estratégias. Esses elementos, quando integrados ao sistema viário e aos edifícios verticais, promovem o fluxo natural da água, prevenindo inundações.

Além de reduzir o risco de enchentes, as cidades-esponjas também contribuem para a recarga dos aquíferos e a melhoria da qualidade da água, criando um ambiente urbano mais saudável e sustentável. Segundo Kongjian Yu, essa abordagem é uma solução eficaz para climas extremos, principalmente no Brasil, dadas suas vastas áreas naturais que facilitam o escoamento da água.

Como funciona uma cidade-esponja na prática?  

A implementação prática dessa abordagem envolve a aplicação de técnicas de engenharia e soluções baseadas na natureza. Segundo Kongjian Yu, para que o conceito funcione ele deve se basear em três estratégias: 

1. Contenção da água

A estratégia de contenção é fundamental para evitar inundações e enchentes nas áreas urbanas. De acordo com Yu, é ideal reter a água assim que ela toca o solo, o que pode ser alcançado por meio da criação de extensas áreas permeáveis e porosas, não pavimentadas. Assim como uma esponja que possui muitos poros, o arquiteto acredita que uma cidade deve conter a chuva com lagos artificiais e áreas de açude, alimentados naturalmente ou por meio de canais que ajudam a escoar a água para rios e represas.

2. Redução da Velocidade

A outra estratégia é reduzir a velocidade com que a água da chuva percorre as superfícies urbanas. Segundo Yu, “Quando você desacelera a água, dá à natureza a oportunidade de absorvê-la“. Para alcançar isso, utiliza-se vegetação e cria-se sistemas de lagos, promovendo a recarga dos lençóis freáticos e mantendo o equilíbrio hídrico nas áreas urbanas.

3. Escoamento e absorção 

Por fim, as estratégias de escoamento e absorção são essenciais para garantir que a água da chuva seja adequadamente gerenciada e utilizada de maneira eficiente. Isso envolve adaptar as cidades para terem áreas alagáveis, onde a água possa escorrer sem causar destruição. Yu destaca que, em vez de construir barragens e acumular água em áreas pavimentadas, devemos nos adaptar ao ciclo da água, permitindo que a cidade lide com ele de forma natural. A principal maneira de fazer isso é criar grandes estruturas naturais alagáveis para conter a água por um tempo e, em seguida, permitir sua absorção pelo lençol freático.

Fonte: G1. Infográfico elaborado em 13/02/2020.
Ondas de calor e cidades-esponjas

Além de prevenir inundações, as cidades-esponja são eficazes em lidar com as ondas de calor, um fenômeno climático cada vez mais frequente, conforme apontado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),  e que representa sérios riscos para a saúde pública e o bem-estar das comunidades. 

Acesse o relatório completo aqui.

Dados apontam que a presença de vegetação pode diminuir a temperatura do ar em até -5°C em áreas urbanas densamente construídas. Além disso, a vegetação oferece sombra e facilita a evapotranspiração, um processo no qual as plantas liberam água na atmosfera, contribuindo para o resfriamento do entorno. 

A água armazenada em reservatórios e corpos d’água também desempenha um papel crucial na redução das ondas de calor. Durante períodos de seca e calor intenso, essa água pode ser utilizada para irrigar áreas verdes e parques urbanos, assegurando a saúde e a funcionalidade da vegetação. Além disso, lagos e lagoas urbanas proporcionam espaços de lazer e recreação, o que contribui para a redução da exposição das pessoas ao calor extremo.

No Brasil há exemplos de cidades-esponjas?

Embora o conceito de cidades-esponja seja relativamente novo no Brasil, algumas cidades já começaram a implementar práticas que se alinham com essa abordagem. São Paulo, por exemplo, tem investido em parques lineares ao longo de seus rios urbanos, que ajudam a controlar enchentes e a melhorar a qualidade de vida dos habitantes. 

Curitiba, conhecida por suas iniciativas de urbanismo sustentável, também tem projetos que incorporam princípios de cidades-esponja, como o uso de áreas verdes para drenagem urbana. Belo Horizonte e Niterói também adotaram algumas técnicas como jardins de chuva, áreas permeáveis, entre outras – no entanto, nenhuma delas pode ser considerada 100% uma cidade-esponja. 

O maior desafio enfrentado por essas cidades é integrar as políticas de desenvolvimento urbano com as práticas de sustentabilidade. Não se trata de construir “novas cidades“, mas sim de aproveitar o potencial de transformação e regeneração das existentes. E para alcançar esse objetivo, é fundamental o engajamento do poder público, da comunidade e do setor privado, com a participação ativa de todos. 

Cidades-esponjas podem ser a solução?

As cidades-esponjas podem sim ser uma solução viável para lidar com fenômenos climáticos em áreas urbanas. De acordo com um estudo conduzido pela Universidade de São Paulo (USP), a implementação de infraestruturas verdes nessas áreas pode reduzir o escoamento superficial em até 30%. Por isso, ao integrar sistemas de drenagem sustentável, como áreas permeáveis, telhados verdes e sistemas de retenção de água, é possível diminuir significativamente o volume de água da chuva que sobrecarrega os sistemas de esgoto e drenagem, prevenindo assim futuras inundações e alagamentos.

No entanto, é importante ressaltar que essa abordagem não é a única solução para o problema das enchentes. Ela deve fazer parte de uma estratégia integrada que inclua medidas de planejamento urbano, gestão de bacias hidrográficas e educação ambiental.

Também é essencial a implementação de políticas públicas que promovam a resiliência urbana, como melhorias nos sistemas de drenagem, preservação de áreas verdes e desenvolvimento de planos de emergência eficazes para reduzir os impactos das enchentes. Além disso, é fundamental considerar os desafios específicos de cada cidade e adaptar as soluções de acordo com suas características geográficas, climáticas e socioeconômicas.

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